Strategies for contemporary Portuguese design

camoes
“Strategies for the relevance of Portuguese design in the 21st century”, in Camões magazine no. 21

The latest issue of Camões magazine, a magazine of the Portuguese institute for language and cooperation, is fully dedicated to design in Portugal, and co-edited by designer Fernando Brízio and Maria Helena Souto. I was delighted to contribute an essay to the “Critical Voices” section of the magazine, outlining a series of strategies I believe are important for contemporary Portuguese design. It was an honor to be included among the finest voices in contemporary Portuguese design discourse, and contribute to a publication which I believe will have a strong impact in the country’s design scene. The essay is only available in Portuguese, and it can be read after the jump.

 

Estratégias para a relevância do design português no século XXI
Vera Sacchetti

“Design is not only about the product, but also about the aim, the process, the method, the use and the implications – design should be an attitude, rather than solely an aspect of human behavior or a product-oriented practice.”

— Jan Boelen[1]

Quando o primeiro Ford T saiu da linha de montagem, anunciando a era da produção em massa a todos aqueles que, depois de quase dois séculos de industrialização, dela ainda não se tinham apercebido, nada faria prever que no início de 2015 esse paradigma salvador, com todas as suas falhas e imperfeições, estaria em violento estado de declínio. Os mesmos agentes que saíram beneficiados da expansão industrial do século XX, entre eles os designers industriais, seriam os mesmos que no início do século seguinte se deparariam com a maior das incertezas, aquela que advém da constatação reticente de que a irrelevância da sua ocupação, infelizmente, está à porta.

Em Portugal, que no mesmo momento se encontra no seio da crise económica e social começada em 2011, esta incerteza adiciona-se a muitas outras que permeiam o ambiente do país. Para além da geração mais estabelecida, que se confronta com a falta de comissões ou a perda de clientes, a geração mais recente de designers depara-se com um cenário desanimador, em que a realidade daquilo que apenas estudaram pode nunca vir a concretizar-se. No entanto, é bom relembrar que a realidade industrial de países como a Alemanha e a Inglaterra nunca se concretizou, de facto, num país como Portugal.

Como um território de pequenas e médias empresas, marcadamente de dimensão familiar, os níveis e quantidades de produção em Portugal nunca atingiram os níveis observados nas maiores nações da Europa, e a produção industrial manteve constantemente uma ligação ao artesanato e à tradição que em muitos casos ainda hoje se mantém. Por isso mesmo, o declínio do paradigma industrial é, dentro do contexto português, uma realidade suavizada, onde resta ainda espaço para a criação e elaboração de estratégias que tornem possível a relevância do design português num contexto contemporâneo e internacional.

Estruturas e modelos viciados

Na criação de novas estratégias, importa romper não só com o paradigma industrial em declínio, mas com as estruturas e modelos implementados dentro desse mesmo paradigma, que privilegiam valores e prioridades que não correspondem ao contemporâneo. Torna-se portanto necessário questionar a definição e o propósito daquilo que pode ser o design industrial no século XXI dado o contexto actual. Daí, importa partir para uma transformação dos moldes educativos, de produção e difusão do design. Este é um esforço de reflexão e procura que, longe de ser gerador de resultados imediatos, pede uma motivação na procura e no processo que é genuína e desinteressada.

Um exemplo pode ser encontrado no trabalho desenvolvido pelo espaço Arquivo 237, que, dirigido pelos designers João Abreu Valente e Sara Orsi com Beatriz Cardoso, procurou em 2014 com o programa “New School” reflectir sobre novos métodos de ensino e de aprendizagem, através de exposições, debates e eventos geradores de conteúdos e inquietações. Os resultados estão ainda em geração, mas a atitude de questionamento é um elemento fundamental da iniciativa, relembrando a atitude incentivada pelo mestrado em Design Contextual frequentado por Abreu Valente na Design Academy de Eindhoven, onde os estudantes eram redirecionados para olhar para o processo. “Nas escolas portuguesas, não se falava nisso,” nota Abreu Valente.[2]

Do mesmo modo, importa questionar os moldes existentes de produção e procurar alternativas. Um exemplo é o projecto TASA, de 2010-2011, conduzido pelo estúdio The Home Project, composto pelos designers Álbio Nascimento e Kathi Stertzig. Num processo de consultoria externa, os designers trabalharam com onze artesãos da região do Algarve procurando dar novo fôlego à produção artesanal da região, criando uma série de novos objectos em pequenas edições, privilegiando materiais, técnicas e o saber locais. Embora o projecto tenha sido financiado sem uma perspectiva de sustentabilidade, o esforço inicial foi caracterizado por uma abordagem colaborativa e exploratória, marcadamente contemporânea.

Plataformas e fóruns alternativos

Romper com as estruturas vigentes significa também uma procura de modos alternativos de difusão e comunicação para o design. A nível internacional, observa-se um movimento de transição em eventos e instituições internacionais, em que museus e bienais de design se transformam em entidades dinâmicas, locais de discussão e mesmo novos centros de produção para o design, permitindo uma busca de alternativas ao insustentável modelo industrial do século passado.[3] Infelizmente, a nível nacional tais transformações tardam em chegar, e as instituições e eventos vigentes, com raras excepções, continuam a perpetuar conceitos e a perseguir estratégias hoje desactualizadas.

Se uma transformação radical tarda em chegar, é notável observar uma série de pequenas iniciativas que, existindo como parte de grandes manifestações internacionais, procuram desestabilizar o sistema oferecendo alternativas de produção e criação. Dois exemplos podem ser encontrados no trabalho do estúdio Pedrita, composto pelos designers Rita João e Pedro Ferreira, que, na exposição From — To, integrada no Fuorisalone 2014 em Milão, e no projecto Passionswege da Vienna Design Week do mesmo ano, ofereceram duas abordagens distintas à produção artesanal, criando objectos valiosos e detalhados que, desenvolvidos em colaboração com artesãos internacionais, contrariam o ritmo desenfreado das feiras comerciais em que estão inseridos. Esta procura, que parece constante no trabalho do estúdio, de um ritmo mais lento e de uma escala mais modesta, adoptada ao contexto local, revela uma sensibilidade às necessidades exigidas por um design que se quer sustentável e contemporâneo.

Novos modelos económicos e organizacionais

Finalmente, a criação de novos modos de trabalho e financiamento para o design contemporâneo impõe-se como fundamental num entendimento actual da disciplina. Dada a verificada insustentabilidade dos modelos económicos que sustentaram o design industrial no último século, é necessário reajustar expectativas e modos de trabalho, enquanto que a uma nova geração de designers é dada uma oportunidade de testar e estabelecer novos modelos económicos, usando a descentralização e a rede como instrumentos essenciais, e estabelecendo-se como investidores e stakeholders nos seus próprios projectos.

A rede revela-se como conceito essencial para este novo modo de trabalhar, proporcionando a capacidade de chegar além fronteiras, criando oportunidades para a comunicação e colaboração a nível nacional e internacional. A título de exemplo pode-se referir a atitude expansiva e internacional do estúdio AH-HA, composto pelas designers Catarina Carreiras e Carolina Cantante, que se caracteriza como multidisciplinar e, embora localizado em Lisboa, revela-se disponível e curioso para “trabalhar com o resto do mundo.” E de facto, o estúdio tem clientes no Líbano, Itália e França, gerindo com destreza uma série de projectos internacionais enquanto mantém as suas raízes firmemente sediadas em Portugal.

Embora seja catalisador de uma série de encontros e colaborações que não aconteceriam de outro modo, o trabalho em rede, porém, não deve ser apenas entendido a nível virtual. A criação e desenvolvimento de redes físicas, a nível local e nacional, é uma condição essencial para o fortalecimento das características que definem o design industrial contemporâneo. Se a geração que, em Portugal, dá os primeiros passos na iteração mais actual da disciplina se caracteriza por uma atitude de trabalho e dedicação constante, questionando e subvertendo princípios estabelecidos, e rejeitando o estrelato e o facilitismo, é também verdade que é uma geração que na sua maioria teve pelo menos uma experiência internacional, graças a uma iniciativa própria, ou a programas de intercâmbio como o Erasmus ou Leonardo. E essa geração, para se tornar relevante, precisa de colaborar e comunicar. Usando o seu entendimento inato do potencial contemporâneo do design, são estes os designers que podem mudar a percepção e influência da disciplina dentro e fora das fronteiras nacionais, rompendo definitivamente com os ideais industriais obsoletos do século passado.

Notas

[1] J. Boelen (2014), “Testing the Everyday”, in Designing Everyday Life, Zurique, Park Books, p. 15.

[2] João Abreu Valente (13 Junho 2013), citado em I. Revés, Studio Visit 06: Rua da Rosa 237 in Domusweb,

[3] A este respeito, é interessante notar o trabalho desenvolvido pelo curador Jan Boelen na recente BIO 50 — Bienal de Design de Ljubljana, na Eslovénia, em que a bienal deixou de ser um local de exposição de modelos anacrónicos de design industrial, mas passou a ser um pólo de produção, em que equipas de designers internacionais colaboraram num esforço centrado no contexto local.